“Quando Eu Te Chamo É Porque Estou Sentindo Sua Falta, Quando Eu Não Te Chamo, É Porque Estou Esperando Você Sentir A Minha.”
Perfeitos Estranhos -Parte 3
Perfeitos Estranhos -Parte 3
Mesmo com o mesmo corte, Ariane permaneceria como uma versão subnutrida de Luce.
Enquanto Luce estava ocupada com seu primeiro corte de cabelo, Ariane explanava as complexidades da vida na Sword & Cross.
— Esse bloco de celas ali é Augustine. É lá onde nós temos nossos tão falados eventos sociais nas noites de quarta-feira. E todas as nossas aulas.
Ela apontou para a construção com cor de dente amarelado, dois prédios à direita do dormitório. Parecia que havia sido desenhado pelo mesmo sádico que desenhara o Pauline. Era tristemente quadrado, tristemente parecido com uma fortaleza, cercado pelo mesmo arame farpado e janelas com grades. Uma névoa cinza fazia as paredes parecerem camufladas por musgos, tornando impossível de ver se alguém estava lá.
— Aviso claro — Ariane continuou — você vai odiar as aulas aqui. Você não é humana se não odiar.
— Por quê? O que há de tão ruim com elas? — Luce perguntou.
Talvez Ariane apenas não gostasse de escola no geral. Com seu esmalte preto, delineador preto e a bolsa preta que parecia grande o suficiente para caber apenas o novo canivete suíço dela, ela não parecia exatamente estudiosa.
— Aqui você vai ver o ginásio de ponta — ela disse, assumindo um tom nasalado de guia turístico. — Sim, sim, para os olhos inexperientes parece uma igreja. Costumava ser. Nós temos um tipo de arquitetura de segunda mão na Sword & Cross. Alguns anos atrás, algum maluco por exercícios físicos apareceu falando besteira sobre como supermedicar os adolescentes arruína a sociedade. Ele doou uma tonelada de dinheiro de merda então eles transformaram a igreja num ginásio. Agora os poderosos podem pensar que a gente desconta nossas “frustrações” de um jeito mais “produtivo”.
Luce gemeu. Ela sempre detestou educação física.
— Garota do meu coração — Ariane se condoeu — Treinador Diante é di-a-bó-li-co.
Enquanto Luce se movimentou para acompanhar, ela reparou no resto do recinto. O complexo da Dover havia sido bem cuidado, tudo bem feito e pontilhado em espaços uniformes, árvores cuidadosamente podadas. Sword & Cross parecia que havia tudo caído subitamente e abandonado no meio de um pântano. Salgueiros cujos galhos apontavam para baixo balançavam para o chão, kudzu crescia pelo muro em lençóis, e todo o terceiro piso escutava o barulho do respingo.
E não era apenas a maneira que o local parecia. Cada respiração úmida de Luce permanecia presa em seus pulmões. Apenas respirar na Sword & Cross fazia ela se sentir como se estivesse atolando em areia movediça.
— Aparentemente os arquitetos entraram num impasse enorme sobre como melhorar o estilo dos prédios da antiga academia militar. O resultado é que nós acabamos em um lugar metade penitenciária, metade zona de tortura medieval. E sem jardineiro — Ariane disse, tirando um pouco de limo de seus coturnos. — Tosco. Oh, e aqui está o cemitério.
Luce seguiu Ariane apontando o dedo para a parte mais longe do lado esquerdo do terreno, após o dormitório. Um manto ainda mais espesso de névoa pairava sobre a porção de terra sem muros.
Era delimitado dos três lados por uma densa floresta de carvalhos. Ela não podia ver dentro do cemitério, que parecia quase afundar-se debaixo da superfície, mas ela podia sentir o cheiro da podridão e ouvir o coro de cigarras zumbindo nas árvores. Por um segundo, ela pensou que ouviu o silvo das sombras – mas ela piscou e eles se foram.
— Isso é um cemitério?
— Aham. Isso costumava ser uma academia militar, caminho de volta nos dias da Guerra Civil. Então era aqui que eles jogavam todos os seus mortos. É arrepiante como todos caem fora. E meu sinhô — Ariane disse, acumulando um falso sotaque sulista. — Isso fede até os céus!
Então, ela piscou para Luce.
— Nós ficamos lá pra caramba.
Luce olhou para Ariane para ver se ela estava brincando. Ariane só deu de ombros.
— Okay, foi só uma vez. E foi só depois de uma grande festa de medicamentos.
Ora, essa era uma palavra que Luce reconhecia.
— Há! Ariane riu. — Eu acabei de ver uma luz acender aí em cima. Então, alguém estáem casa. Bem, Luce, minha querida, você provavelmente foi a festas de internatos, mas você nunca viu como as crianças de reformatórios colocam tudo abaixo.
— Qual é a diferença? — Luce perguntou, tentando esconder o fato que ela nunca foi a nenhuma grande festa na Dover.
— Você vai ver — Ariane parou e se virou para Luce. — Você vem essa noite e fica lá, okay? — Ela surpreendeu Luce pegando sua mão. — Promete?
— Mas eu pensei que você disse que eu devia manter distância dos casos perigosos — Luce brincou.
— Regra número dois – Não me escute! — Ariane gargalhou, balançando a cabeça. — Eu sou com certeza louca!
Ela deu uma corridinha e Luce foi atrás dela.
— Espere, qual é a regra número um?
— Me acompanha!
***
Quando elas viraram a esquina das salas de aula de paredes de bloco de cimento, Ariane deu uma parada.
— Pareça legal — ela disse.
— Legal — Luce repetiu.
Todos os outros estudantes pareciam estar agrupados em volta das árvores estranguladas pelo kudzu do lado de fora do Augustine. Nenhum deles parecia exatamente feliz por estar do lado de fora, mas ninguém parecia exatamente pronto a entrar, também.
Nunca houve muito código de vestimenta na Dover, então Luce não estava acostumada com a uniformidade do corpo estudantil. Então, novamente, apesar de todos ali usarem os mesmos jeans pretos, blusas de gola alta pretas e suéteres pretos amarrados sobre seus ombros ou em volta da cintura, continuava havendo diferenças substanciais no jeito que eles o usavam.
Um grupo de garotas tatuadas paradas em um círculo cruzado usavam pulseiras até seus cotovelos. As bandanas pretas no cabelo delas lembrou a Luce um filme que ela viu uma vez sobre gangues femininas de motocliclistas. Ela alugou porque pensou: O que pode haver de mais legal que uma gangue de motoqueiros só de mulheres? Agora os olhos de Luce trancaram-se em uma das garotas no gramado. O estrabismo lateral da garota de olhos-de-gato delineados de preto fez Luce rapidamente mudar a direção de seu olhar.
Um cara e uma garota que estavam de mãos dadas tinham lantejoulas costuradas em formato de ossos cruzados nas costas de seus suéteres pretos. A cada poucos segundos, um dos dois puxava o outro pra um beijo nas têmporas, no lóbulo da orelha, nos olhos. Quando eles envolveram seus braços em volta um do outro, Luce pode ver que ambos usavam pulseiras de rastreamento que estavam piscando. Eles pareciam um pouco rudes, mas estava óbvio o quanto estavam apaixonados. Toda vez que ela via as argolas de suas línguas piscando, Luce sentia um aperto solitário beliscando seu peito.
Atrás dos namorados, um grupo de garotos loiros estava encostado contra a parede. Cada um deles usava seu suéter, apesar do calor. E todos eles tinham camisas oxford brancas por baixo, o colarinho engomado para cima. As barras remendadas de suas calças pretas batiam na beira de seus sapatos polidos, que calçavam perfeitamente. De todos os estudantes no perímetro, esses garotos pareciam para Luce os mais próximos do estilo da Dover. Mas um olhar mais aproximado rapidamente os diferenciava dos garotos que ela costumava conhecer. Os caras como Trevor.
Apenas estando em grupo, esses garotos radiavam um tipo especial de tenacidade. Estava bem ali no olhar de seus olhos. Era difícil de explicar, mas isso de repente surpreendeu Luce, que assim como ela, todos nessa escola tinham um passado. Todos aqui provavelmente possuíam segredos que não queriam compartilhar. Mas ela não sabia se essa descoberta a fazia se sentir mais ou menos isolada.
Ariane percebeu os olhos de Luce rondando os outros alunos.
— Nós todos fazemos o que podemos para sobreviver durante o dia — ela disse, encolhendo. — Mas no caso de você não ter observado os abutres aproveitadores, esse lugar cheira muito bem a morte.
Ela tomou um lugar em um banco debaixo de um salgueiro e afagou o lugar perto dela para Luce.
Luce afastou um amontoado de folhas molhadas em decomposição, mas logo antes dela sentar, ela notou outra violação do código de vestimenta.
Uma violação muito atraente.
Ele vestia uma brilhante echarpe vermelha em volta do seu pescoço. Estava longe de estar frio lá fora, mas ele tinha uma jaqueta de couro preta de motociclista em cima de seu suéter preto, também. Talvez fosse porque ele era o único ponto de cor no perímetro, mas ele era tudo que Luce podia olhar. Na verdade, tudo parecia pálido em comparação a isso. Por um longo momento, Luce se esqueceu de quem era.
Ela notou seu cabelo dourado profundo e bronzeado apropriado. Suas maçãs do rosto salientes, os óculos escuros que cobriam seus olhos, a forma suave de seus lábios. Em todos os filmes que Luce tinha visto, em todos os livros que ela havia lido, o interesse amoroso era enlouquecedoramente bonito – exceto por aquela única pequena falha. O dente lascado, o charmoso topete, a bela marca em sua bochecha esquerda. Ela sabia por que – se o herói fosse imaculado demais, havia o risco dele ser inacessível. Mas acessível ou não, Luce sempre teve um fraco pelos sublimemente bonitos. Como esse cara.
Ele inclinou-se contra o prédio com suas mãos cruzadas suavemente sobre seu peito. E por um milésimo de segundo, Luce viu uma rápida imagem dela jogada nos braços dele. Ela sacudiu a cabeça, mas a visão permanecia tão clara que ela quase decolou em direção a ele. Não. Isso era louco. Certo? Mesmo numa escola cheia de malucos, Luce estava certa de que aquele instinto era insano. Ela nem ao menos o conhecia.
Ele estava falando com um aluno com sorriso cheio de dentes. Os dois estavam rindo forte e genuinamente – de um jeito que fez Luce se sentir estranhamente enciumada. Ela estava tentando lembrar qual foi a última vez que ela riu, realmente, daquele jeito.
— Esse é Justin Bieber — Ariane falou, se inclinando e lendo sua mente. — Eu posso dizer que ele chamou a atenção de alguma pessoa.
— Eufemismo — Luce concordou, envergonhada quando ela percebeu como ela devia ter parecido para Ariane.
— É bem, se você gosta desse tipo de coisa.
— O que tem para não gostar? — Luce perguntou, sem conseguir fazer as palavras pararem de sair.
— O amigo dele lá é Roland — Ariane explicou, apontando na direção do garoto que estava ao lado de Justin. — Ele é legal. O tipo de cara que pode conseguir coisas, sabe?
Não realmente, Luce pensou, mordendo seu lábio.
— Que tipo de coisas?
Ariane encolheu, usando seu canivete suíço roubado para cortar uma vertente desgastada de seu jeans preto.
— Apenas coisas. Tipo de coisas que você-pede-e-recebe.
— E Justin? — Luce perguntou. — Qual é a história dele?
— Oh, ela não desiste — Ariane riu, depois limpou a garganta. — Ninguém sabe de verdade. Ele guarda bem firme sua misteriosa personalidade masculina. Pode ser simplesmente o típico babaca de reformatório.
— Eu não sou estranha a babacas — Luce disse, embora assim que as palavras saíram, ela desejou poder pegá-las de volta.
Depois do que aconteceu com Trevor – o que quer que tenha acontecido – ela era a última pessoa que deveria julgar pelas aparências. Mas, mais do que isso, nas raras vezes que ela fazia uma pequena referência àquela noite, o dossel preto das sombras se deslocava e voltava para ela, como se ela estivesse de volta ao lago.
Ela olhou de volta para Justin. Ele tirou seus óculos e os deslizou para dentro de sua jaqueta, então, virou-se e olhou para ela.
Seu olhar apanhou o dela, e Luce viu enquanto seus olhos alargaram-se e rapidamente se estreitaram em um olhar surpreso. Quando o olhar de Justin capturou o dela, sua respiração ficou presa em sua garganta. Ela o reconhecia de algum lugar. Mas ela iria se lembrar de conhecer alguém como ele. Ela iria se lembrar de se sentir tão absolutamente assombrada quanto se sentia agora.
Ela percebeu que eles ainda estavam com os olhos presos quando ele relampejou um sorriso para ela. Um jato de calor foi atirado nela e ela teve que agarrar-se ao banco para se apoiar. Ela sentiu os lábios dela derreteram-se num sorriso de volta para ele, mas então ele levantou sua mão no ar.
E mostrou-lhe o dedo do meio.
Luce arfou e deixou seu olhar cair.
— O quê? — Ariane perguntou, alheia ao que havia acontecido. — Esquece. Nós não temos tempo. Eu sinto o sinal.
O sinal tocou na deixa, e todo o corpo estudantil começou o lento arrastar de pés para dentro do prédio. Ariane estava segurando a mão de Luce e declamando orientações sobre onde se encontrar com ela depois e quando. Mas Luce continuava cambaleando por aquele perfeito estranho ter-lhe mostrado o dedo do meio. Seu delírio momentâneo sobre Daniel sumiu. Qual era o problema daquele cara?
Logo antes dela entrar em sua primeira aula, ela ousou olhar para trás. Seu rosto estava vazio, mas não havia dúvida – ele a estava observando ir embora.
Continua...