"Não Notam Suas Lágrimas, Suas Mágoas E Suas Tristezas. Mas Notam Seus Erros. "
Turno No Cemitério -Parte 1
Ahhh, terça-feira. Dia do waffle.
Desde que Luce podia se lembrar, terças-feiras de verão significavam café fresco, tigelas cheias de framboesa com chantilly, e uma interminável pilha de waffles dourados e crocantes. Mesmo este verão, quando seus pais começaram a sentir um pouco de medo dela, o dia do waffle era algo com que ela podia contar. Ela podia rolar na cama na terça-feira, e antes de pensar em qualquer outra coisa, instintivamente ela sabia que dia era.
Luce inalou, retomando lentamente a seus sentidos, então ela inalou de novo com um pouco mais de vontade. Não, não havia nenhum leitelho batido, nada além do cheiro de vinagre da pintura descascada. Ela mandou o sono para longe e captou a vista de seu dormitório apertado. Isso parecia como a foto de “antes” em um show de renovação de casa. O longo pesadelo que foi a segunda-feira retornou à ela: eles tomarem seu celular, o incidente com o bolo de carne e os olhos brilhantes de Molly no refeitório, Justin expulsando-a da biblioteca. O que foi que o fez ficar tão rancoroso, Luce não tinha a menor ideia.
Ela sentou para olhar pela janela. Ainda estava escuro; o sol não tinha sequer saído pelo horizonte ainda. Ela nunca tinha acordado tão cedo. Se duvidasse, ela realmente não achava que conseguia se lembrar de já ter visto o nascer do sol. Sinceramente, algo sobre assistir-o-nascer-do-sol como uma atividade sempre a deixava nervosa. Eram os momentos de espera, os momentos logo-antes-do-sol-surgir-no-horizonte, sentada na escuridão olhando através das linhas das árvores. O horário nobre das sombras.
Luce suspirou audivelmente com saudades de casa, um suspiro de solidão, o que a deixou com ainda mais saudade e solitária. O que ela iria fazer durante as três horas entre o raiar do dia e a sua primeira aula?
Raiar do dia – por que essas palavras zumbiam em seus ouvidos? Ah. Droga. Ela deveria estar na detenção.
Ela saltou para fora da cama, tropeçando em sua mala ainda-cheia, e arrancou outro suéter preto tedioso do topo da pilha de suéteres pretos tediosos. Ela colocou o jeans preto que usou ontem, estremeceu quando teve um vislumbre do desastre que estava sua cabeça, e passou os dedos pelo seu cabelo enquanto corria pela porta afora.
Ela estava ofegante quando chegou aos portões de ferro forjado, da altura da cintura e complexamente esculpidos, do cemitério. Estava engasgada com o cheiro esmagador de mato e se sentindo muito sozinha com seus pensamentos. Onde estavam os outros? A definição de “início da manhã” deles era diferente da dela? Ela olhou para seu relógio. Já eram seis e quinze.
Tudo o que eles tinham dito a ela era para se encontrarem no cemitério, e Luce tinha bastante certeza de que essa era a única entrada. Ela estava na divisa, onde o asfalto áspero do estacionamento dava lugar a um terreno destruído cheio de ervas daninhas. Ela notou um dente-de-leão solitário, e passou pela sua mente que uma Luce mais jovem teria pulado sobre ele e então feito um desejo e soprado. Mas agora os desejos dessa Luce pareciam pesados demais para algo tão leve.
Os portões delicados eram tudo o que dividia o cemitério do estacionamento. Incrível para uma escola com tanto arame farpado em todo o lugar. Luce passou a mão ao longo dos portões, seguindo o padrão floral ornamentado com seus dedos. Os portões deviam datar dos dias da Guerra da Secessão de que Ariane falara, quando o cemitério era utilizado para enterrar os soldados caídos. Quando a escola se juntou a ele, não era um lugar para loucos instáveis. Quando o lugar todo era muito menos cheio e sombrio.
Isso era estranho – o resto do terreno era plano como uma folha de papel, mas de alguma forma, o cemitério tinha um formato côncavo, parecido com uma tigela. Daqui, ela podia ver a inclinação de toda a vastidão a partir dela. Fileira após fileira de lápides simples alinhavam-se nas inclinações como espectadores em um estádio. Mas em direção ao centro, no ponto mais baixo do cemitério, o trecho através do terreno se torcia em um labirinto de grandes túmulos esculpidos, estátuas de mármore e mausoléus.
Provavelmente para oficiais da Confederação, ou apenas para soldados que tinham dinheiro. Pareciam que seriam bonitos vistos de perto. Mas vistos dali, o simples peso deles parecia arrastar o cemitério para baixo, quase como se todo o lugar estivesse sendo engolido por um ralo.
Passos atrás dela. Luce girou ao seu redor para ver uma figura pequena e grossa, vestida de preto, surgir de trás de uma árvore. Penn! Ela teve de resistir ao desejo de jogar seus braços em volta da garota. Luce nunca tinha ficado tão contente em ver alguém – embora fosse difícil acreditar que Penn tivesse pego alguma detenção.
— Você não está atrasada? — Penn perguntou, parando alguns metros à frente de Luce e dando a ela um aceno divertido de sua-pobre-novata com a cabeça.
— Eu estou aqui há 10 minutos — Luce falou. — Não é você quem está atrasada?
Penn sorriu.
— De jeito nenhum, eu sou apenas uma madrugadora. Eu nunca peguei detenção. — Ela deu de ombros. — Mas você pegou, junto com outras cinco almas infelizes, que provavelmente estão ficando mais irritadas a cada minuto que esperam por você lá embaixo no monólito.
Ela ficou na ponta dos pés e apontou para trás de Luce, em direção a maior estrutura de pedra, que se levantava do meio da parte mais profunda do cemitério. Se Luce apertasse os olhos, ela poderia notar um grupo de figuras negras agrupadas em torno de sua base.
— Eles apenas disseram para se encontrar no cemitério — Luce falou, já se sentindo derrotada. — Ninguém me disse para onde ir.
— Bem, eu estou dizendo para você: monólito. Agora desça até lá — Peen falou. — Você não vai fazer muitos amigos acabando com a manhã deles mais do que você já acabou.
Luce engoliu em seco. Parte dela queria pedir a Penn para lhe mostrar o caminho. Daqui de cima, aquilo parecia um labirinto, e Luce não queria ficar perdida no cemitério. De repente, ela ficou com aquela sensação nervosa, de estar longe de casa, e ela sabia que isso só iria piorar lá. Ela estalou suas juntas, retardando.
— Luce? — Penn disse, dando um pequeno empurrão em seus ombros. — Você ainda está parada aqui.
Luce tentou dar uma Penn um sorriso corajoso de agradecimento, mas teve que se contentar com um estranho tique facial. Então ela correu para baixo da encosta para o coração do cemitério.
O sol ainda não tinha nascido, mas estava quase, e estes últimos momentos antes do amanhecer sempre eram os que mais a assustavam. Ela passou rápido pelas fileiras de lápides simples. Em um ponto elas deviam ter estado retas, mas agora elas eram tão velhas que a maioria delas tombava para um lado ou para o outro, dando ao lugar todo, uma aparência de jogo de dominó mórbido.
Ela passou seu tênis Converse preto pelas poças de lama, esmagando folhas mortas. Na hora em que passou pela área mais simples e chegou até os túmulos mais ornamentados, a terra tinha mais ou menos sido achatada, e ela estava totalmente perdida. Ela parou de correr, tentou recuperar o fôlego. Vozes. Se ela se acalmasse, ela poderia ouvir vozes.
— Mais cinco minutos, então eu vou cair fora — disse um rapaz.
— Pena que a sua opinião não tenha valor, Sr. Sparks.
Uma voz teimosa, uma que Luce reconheceu de suas aulas de ontem. Sra. Troz – a Albatroz. Após o incidente com o bolo de carne, Luce tinha chegado tarde para a aula dela e não tinha dado exatamente a impressão mais favorável para a professora severa e esférica de ciência.
— A não ser que alguém queira perder seus privilégios sociais esta semana — gemidos entre os túmulos — vamos todos esperar pacientemente, como se não tivéssemos nada melhor para fazer, até a senhorita Price decidir dar a graça de sua presença para nós.
— Eu estou aqui — Luce arfou, finalmente contornando uma estátua gigante de um querubim.
Sra. Troz estava com as mãos nos quadris, vestindo uma variação do vestido preto florido e solto de ontem. Seu escasso cabelo cor castanho-rato estava puxado na sua cabeça e seus tediosos olhos castanhos mostravam apenas aborrecimento com a chegada de Luce. Biologia sempre foi difícil para Luce, e até agora, ela não estava fazendo nenhum favor à sua nota na classe Sra. Troz.
Atrás da Albatroz estavam Ariane, Molly e Roland, espalhados ao redor de um círculo de blocos que encaravam uma grande estátua central de um anjo. Em comparação com o resto das estátuas, esta parecia mais nova, mais branca, mais grandiosa. E encostado na coxa esculpida do anjo – ela quase não tinha percebido – estava Justin.
Ele estava vestindo a jaqueta de couro preta e o cachecol vermelho vivo que a tinha deixado fixada ontem. Luce tomou conhecimento de seu cabelo loiro desarrumado, que parecia não ter sido penteado depois dele acordar... o que a fez pensar sobre como Justin ficava quando estava dormindo... o que a fez corar tão intensamente que, do momento que seus olhos fizeram o caminho da linha do cabelo para os olhos dele, ela estava completamente humilhada.
Nesse momento ele estava olhando fixamente para ela.
— Sinto muito — ela deixou escapar. — Eu não sabia onde deveríamos nos encontrar. Eu juro...
— Pode parar — disse a Sra. Troz, passando o dedo em sua garganta. — Você já desperdiçou o bastante do tempo de todo mundo. Agora, tenho certeza que todos se lembram da indiscrição desprezível que vocês cometeram para estarem aqui. Vocês podem pensar sobre isso nas próximas duas horas enquanto trabalham. Se reúnam em pares. Vocês sabem o que fazer.
Ela olhou para Luce e soltou sua respiração.
— Ok, quem quer uma protegida?
Para o horror de Luce, todos os outros alunos olharam para seus pés. Mas então, depois de um minuto torturante, um quinto aluno entrou no campo de visão ao virar a esquina do mausoléu.
— Eu quero.
Cam. Sua camiseta preta com gola em “v” era justa em torno de seus ombros largos. Ele era quase trinta centímetros mais alto do que Roland, que se deslocou para o lado quando Cam empurrou e passou, caminhando na direção de Luce. Seus olhos estavam grudados nela enquanto ele andava para frente, movendo-se suave e confiantemente, tão à vontade em sua roupa de escola reformatória quanto Luce estava pouco à vontade. Parte dela queria desviar seus olhos, porque era embaraçosa a maneira que Cam olhava para ela na frente de todos. Mas por alguma razão, ela estava hipnotizada. Ela não poderia quebrar o seu olhar – até que Ariane pisou entre eles.
— Primeiro — ela falou. — Eu disse que vi primeiro.
— Não, você não disse.
— Sim, eu disse, você não me ouviu de seu poleiro estranho lá atrás. — As palavras se apressaram para fora de Ariane. — Eu a quero.
— Eu... — Cam começou a responder.
Ariane inclinou a cabeça com expectativa. Luce engoliu em seco. Ele ia chegar e dizer que ele a queria também? Eles não poderiam simplesmente esquecer isso? Fazer detenção com um grupo de três?
Cam acariciou o braço de Luce.
— Vou encontrar com você depois, ok? — ele disse a ela, como se fosse uma promessa que ela lhe pediu para fazer.
Os outros garotos pularam dos túmulos nos quais eles tinham sentado e marcharam em direção a um galpão. Luce os seguiu, agarrando-se em Ariane, que sem dizer uma só palavra entregou-lhe um ancinho.
— Então. Você quer o anjo vingador, ou os amantes carnais abraçados?
Não houve menção sobre os acontecimentos de ontem, ou do bilhete da Ariane, e Luce de algum modo não sentia que deveria puxar esse assunto com Ariane agora. Em vez disso, ela olhou para cima e viu-se rodeada por duas estátuas gigantes. A mais próxima dela parecia um Rodin. Um homem nu e uma mulher estavam enlaçados em um abraço. Ela tinha estudado escultura francesa em Dover, e sempre pensou que as peças de Rodin eram as mais românticas. Mas agora era difícil olhar para os amantes abraçados sem pensar em Justin.
Continua...
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